terça-feira, julho 22, 2008

"There and Back Again"

Vivi no Porto durante dois meses, e se há quem pense que foi pouco tempo, eu sou uma dessas pessoas. Foi mesmo pouco tempo. Estava a "viver" a cidade quando fui obrigado, pelas ocultas forças que gerem os orçamentos dos seres humanos, a voltar ao Alentejo.
Durante um desses meses morei em casa de um amigo na Rua da Vitória, que me ficou como a mais lúgubre e pitoresca da cidade. Para quem não sabe, a Rua da Vitória é uma transversal à Rua das Taipas que sobe desde as traseiras do Mercado Ferreira Borges até à Cordoaria Nacional (ao lado dos Clérigos). É, portanto um dos muitos capilares do coração do Porto. Tem um único sentido e é tão estreita que a, aparentemente, simples tarefa de meter o carro a rolar pela Rua da Vitória sem um risco é coisa digna de gabarolice de peito inchado. Não é para todos. É escura e à noite poucos caminhantes (não conhecedores da sua natureza) se aventuram pelos seus paralelos. É, no entanto, uma rua pacífica. É um bairro minúsculo. Todos nos cumprimentam. Os miúdos jogam à bola e os velhos à bisca lambida em cima de grades de cerveja vazias. Ouvem-se os tradicionais, e carinhosos, "filho-da-putas" e "caralhos" e "puta-que-o-parius" por todo o lado. Cheira sempre a mar, porque o próprio mar escorre por entre as juntas dos enormes blocos de granito que impedem as ruas de desabar umas em cima das outras. Como se o mar ele próprio tomasse de assalto a cidade assim que o último portuense adormece e recuasse subitamente mesmo antes do primeiro acordar. Como se a cidade fosse lavada pelo mar todas as noites desde tempos que ninguém recorda.

E enquanto pensava nisto tudo era na maior parte das vezes interrompido por J. "vamos ao Taipas ó alentejano mal amanhado?". E lá íamos para o nosso poiso do costume para uma das sessões tri-semanais de "T&P" (tinto e poesia) no Taipas e Feijão. Entrávamos na tasca de portadas vermelhas e passávamos para outro mundo. Deixávamos as ruas de luminárias titubeantes e passávamos para o colorido domínio do Sr. António, ex-jornalista, actual poeta e taberneiro. Pilhas de livros em cima da mesa, um jarro de vinho, pão, azeitonas e queijo. Às palavras "agora vai-se recitar poesia e, ou se calam, ou pagam o que devem e vão prá puta que vos pariu" o silêncio é sepulcral. O resto da noite era nosso. Nosso, de Negreiros, de Beckett, de Pessoa, de Whitman e de quem mais viesse.


Foi assim que vivi durante um mês e não me importo que me obriguem a repetir. Se possível, durante mais um bocadinho, sim?


P.S.: Escrevi isto levado por um acesso de lembranças provocadas por este texto de Manuel Jorge Marmelo.
Obrigado, pá.

3 comentários:

Eleanor Rigby disse...

Fiquei com (mais) vontade de conhecer o Porto...
Sim, eu nunca fui ao Porto...autentico crime.

Ana Dionísio disse...

Sortudo!

L. Romudas disse...

Coisa Ruim, devias levar umas chibatadas!

Decreto com toda a veemência que quem ainda não passeou os chispes pela Ribeira do Porto devia levar 50 chibatadas e ser acorrentado à Ponte D. Luís durante 3 dias. Tenho dito!