quarta-feira, agosto 13, 2008

Momento Biography Channel: Vidocq


Para muitos, Vidocq é apenas o título de um bom filme francês e o nome da personagem principal, um corpanzudo e intrépido detective privado, interpretada por, imagine-se, Gérard Depardieu. Mas Eugéne François Vidocq foi muito mais que isso. Sim, o homem existiu mesmo. A santa mãezinha dele que o diga, coitadinha, que a partir do fatídico 23 de Julho de 1775 nunca mais teve sossego. Por exemplo: passados 14 anos sobre dito esse dia, e sob os auspícios da colonização da América do Norte, o jovem Eugéne resolveu surripiar as economias do pai afim de ir ver como paravam as modas americanas. Perdeu o dinheiro todo ainda antes de sair da Europa e para se livrar de uma sova de criar bicho alistou-se no exército, de onde desertou 17 anos depois por ter partido os queixos a um superior hierárquico, que era, na altura, coisa punível com a morte. Dá-se a Revolução Francesa e o nosso Vidocq vê-se practicamente com a guilhotina no pescoço. O pai pede ajuda à nobreza. A nobreza ajuda. Apaixona-se por uma filha dessa nobreza. Ela mete-lhe os palitos. Ele foge para Bruxelas. Arranja um passaporte falso e junta-se a um grupo de meliantes. Volta a Paris. Esturra a pequena fortuna em putas e vinho verde. Apaixona-se outra vez e leva com outro par de cornos. Apanha o gajo. Prega-lhe um enxerto de porrada e vai para a choldra outra vez. Envolve-se com a malta errada. Foge da prisa. Volta à prisa. Foge da prisa. Tenta ser professor, mas as demasiadamente boas relações que tinha com as alunas levaram a que fosse expulso por pais e namorados furiosos. A ex-mulher chantageia-o. Os amigos metem-no ainda em piores confusões. Decide tornar-se bufo(*) em troca de amnistia. A bófia recusou à primeira mas aceita à segunda e é aqui que tudo muda. Sobe no ranking qual Vanessa Fernandes até que a própria bófia encena a fuga de Vidocq da prisão. Eugéne François Vidocq tornava-se finalmente um dos bons.

Daqui para a frente foi sempre a abrir. Os conhecimentos que tinha do sub-mundo parisiense e os métodos de investigação e abordagem pouco ortodoxos que empregava granjearam-lhe fama e fortuna. Executava ele próprio operações de infiltração (isto em mil oitocentos e tal, portanto, sem escutas, auriculares, GPS e merdas assim) e chegou mesmo a ser contratado para se matar a ele mesmo. Em 1812 Vidocq funda a Brigade de Sûreté, uma espécie de Polícia Judiciária em que a maioria dos detectives eram ex-prisioneiros. Resultado: em 1817 a Sûreté fez 811 detenções. É obra. Em 1832, por politiquices, o homem demite-se do cargo que ele próprio criou e torna-se detective privado e escritor. Morre em 1857 depois de uma vida cheia. Completamente cheia.

Para trás deixa a criação da tinta permanente e de um tipo de papel indestrutível. Foi o primeiro a estudar balística aplicada à criminologia, fez os primeiros moldes de pegadas e os seus estudos antropométricos ainda são em parte usados pela polícia francesa.

Quem diria que um borra-botas que rouba dinheiro ao próprio pai se iria tornar num dos pioneiros da criminologia forense e num dos mais proeminentes chefes de polícia do mundo?!


(*) Até ao fim dos seus dias Vidocq afirmou sempre que nunca denunciou ninguém que tivesse roubado por necessidade. Bufo sim, mas com princípios.

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