Pensou no seu nome dias a fio. Imaginou cada letra a ser desenhada lentamente, como se uma pena invísivel e incomensurável fizesse nascer cada letra a partir do vazio, e tão devagar que poder-se-ia dizer que mundos infinitos eram criados a cada nova linha traçada. Pensou tanto tempo no nome dela que a própria palavra deixou de fazer sentido. Sentiu-se aliviado. Depois decidiu fazer o mesmo com outras palavras. Percorreu mentalmente todo o dicionário. Não satisfeito, passou para as palavras dos calões e dos vernáculos, para as línguas estrangeiras que conhecia e para algumas que desconhecia. Chamavam-lhe louco e ele sorria. Continuou, atarefadíssimo a sua cruzada. Abarcou, uma por uma, todas as palavras do Mundo e lentamente fez com que perdessem o sentido, o significado, a essência. Sem isso, as palavras tornaram-se nada mais que amontoados aleatórios de letras e sinais. Deixou para o fim o seu próprio nome. Depois disso esperava sentir-se feliz, limpo, purificado, purgado e divinalmente expiado. Poderia morrer em paz. Porém nada disso aconteceu e foi tomado por uma angústia pesada como o Universo. Faltava alguma coisa. Sim. Esquecera-se da palavra mais importante de todas. Esquecera-se da principal palavra que comanda a vida. Esquecera-se da Morte. E foi assim, já sem nome, sem memória, sem sentimentos, sem nada, que ao chegar à letra 'e' os seus olhos se fecharam e o seu coração lentamente desacelerou e parou. Assim mesmo, finalmente feliz, limpo, purificado, purgado e divinalmente expiado.
segunda-feira, julho 21, 2008
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3 comentários:
...:) Não só desconcertante...tambem interessante. Quanto mais atenção damos a uma coisa mais rapidamente ela perde o sentido, porque na sua essencia todas as coisas não têm sentido nenhum senão o de simplesmente existirem e manterem-se vivos. (?!?!?!?)
Gosto bastante de te ler.
Ora então, muitos obrigados. (Vénia) Voltem sempre.
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