segunda-feira, outubro 06, 2008

Na mesa de cabeceira

"Entretanto entristecia-me muito o acontecimento que teria lugar no dia seguinte. Amanhã, às sete horas, ocorrerá um fenómeno estranho: a Terra pousará na Lua. Escreve sobre isso, inclusivamente o famoso químico inglês Wellington. Confesso que me senti preocupado do fundo do coração ao imaginar a extraordinária delicadeza e fragilidade da Lua. É que a Lua se fabrica, normalmente, em Hamburgo, e é de péssima qualidade. Admira-me que a Inglaterra não preste atenção a este facto. O fabricante é um tanoeiro coxo, e vê-se logo que é imbecil, não tem a mínima noção de Lua. Utilizou uma corda alcatroada e uns testos de azeite de lâmpada rançoso; por isso, é terrível o fedor por toda a Terra, é obrigatório tapar o nariz. Daí que a própria Lua seja uma bola tão frágil que as pessoas não podem viver nela, pelo que agora só lá moram narizes. É por esta mesma razão que não podemos ver os nossos próprios narizes, uma vez que estão todos na Lua. Então, imaginando que a substância pesada que é a Terra, ao pousar, seria capaz de moer em pó os nossos narizes, apoderou-se de mim uma inquietação tal que, calçando meias e sapatos, me apressei a ir à sala do Conselho de Estado para dar à polícia a ordem de não deixar que a Terra pousasse na Lua. Os grandes de cabeças rapadas que encontrei na sala do Conselho de estad0 em grande número eram gente muito inteligente e, quando lhes disse: «Senhores, salvemos a Lua porque a Terra quer pousar nela», precipitaram-se todos num ápice para cumprir o meu desejo monárquico e muitos começaram a trepar paredes para apanharem a Lua. Nisto estrou o chanceler-mor. Ao vê-lo, toda a gente se dispersou. Eu, como rei, fiquei sozinho. E o chanceler, para meu espanto, bateu-me com o pau e enxotou-me para o meu quarto. É esta a grande força dos costumes tradicionais em Espanha!

Nikolai Gógol - Contos de São Petersburgo, Diário de Um Louco
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
Edição Assírio & Alvim 2007
ISBN 978-972-37-1184-4

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